Capítulo 10
Ordem de despejo
A “Lei Morando” não conseguiu impor suas condições e a comissão que havia planejado criar nunca foi constituída. A cooperativa pediu ao então chefe de governo, Jorge Telerman, que vetasse a lei, mas o funcionário limitou-se a não regulamentá-la e apresentar um projeto de lei que a modificasse, o qual também nunca foi aprovado. Na prática, essa situação significou o abandono da Legislatura da Cidade Autônoma de Buenos Aires como local de solução do conflito, que foi transferido para o nível judicial e para o Congresso Nacional. Nessas duas esferas, o conflito deveria resolver, de forma paralela e cruzada, o futuro do BAUEN nos anos seguintes.
O jornal Clarín, em sua diretriz cada vez mais acentuada em direção ao “jornalismo de guerra” que agora exerce plenamente, já refletia a posição da Mercoteles em sua cobertura da edição do BAUEN1. Em um artigo de 9 de janeiro de 2006, dedicado ao “tempo das definições” que supostamente era direcionado ao hotel, o jornal tentou “ouvir os dois lados” e deu voz à família Iurcovich, colocando a posição dos trabalhadores em paralelo com a da empresa fantasma. O artigo começou afirmando que, devido à expiração do prazo, Telerman deveria promulgar a lei ou vetá-la, em uma espécie de pressão para forçar uma definição. Vale recordar que foi um tempo quando o chefe de governo, que havia tomado posse recentemente após a demissão de Aníbal Ibarra, estava fazendo um complicado ato de equilíbrio político entre a maioria macrista na Legislatura, o governo nacional de Néstor Kirchner e suas próprias ambições políticas de continuar no cargo uma vez terminado seu mandato interino. Relutante em arriscar, ele deixou tudo no limbo. No mesmo artigo, o representante da Mercoteles, Gerardo Palomero2, declarou que “a lei promove um acordo justo e reconhece que o hotel tem um proprietário”, e prosseguiu afirmando que “os tribunais (…) ordenaram a restituição do hotel à Mercoteles, mas pediram a devolução dos quatro milhões de pesos. Essa era uma questão menor. O importante é que a Justiça reconheça que ela pertence à Mercoteles”. A controvérsia já estava bem estabelecida, e o que até então havia sido um conflito que ocorria nas esferas judicial e legislativa também começou a confrontar a opinião pública e a agenda da mídia. É claro, estava nas ruas desde 21 de março de 2003.
Os trabalhadores decidiram então tentar obter a expropriação no Congresso Nacional, já que as ruas haviam sido bloqueadas nas redondezas da Legislatura de Buenos Aires. Até então, nenhuma empresa recuperada havia passado pelo processo de expropriação ali, apenas através dos parlamentos provinciais. Foi o início de um caminho muito mais longo do que os trabalhadores provavelmente imaginaram quando decidiram comprar a briga.
- “Una semana de definiciones para el futuro del Hotel Bauen”, jornal Clarín, 9 de janeiro de 2006. Obtido em http://www.clarin.com/ediciones-anteriores/semana-definiciones-futuro-hotel-bauen_0_HkmfVU810Yl.html↩
- Cabe lembrar que, no comunicado de imprensa de 28 de junho de 2005 no jornal La Nación, Palomero assinou como representante da Bauen SACIC.↩