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Empresas recuperadas na Argentina em tempos de Uber

A origem

Licença do original e desta tradução: CC-BY-SA

Vinte anos após o início da crise e o fenômeno das empresas e fábricas recuperadas, esta gestão alternativa do trabalho conseguiu se sustentar apesar das dificuldades de autogestão e dos obstáculos judiciais.

Tudo começou como uma depenagem. Depois de fracassar como chefe, o proprietário decidiu dilapidar tudo o que pôde, começando com a transferência irregular de fundos e cometendo fraude. Deixou de pagar impostos, suprimentos, fornecedores e trabalhadores. Aldo ainda se lembra daquele momento que, no caso de La Litoraleña, ocorreu em 2015: “Nos primeiros dias, ele não nos disse nada. O supervisor nos dizia: “Amanhã será depositado”. Amanhã, amanhã, amanhã”. E naquela época, quando nos pagavam 40.000 pesos, ele estava depositando 2.000 pesos [US$ 16,64]. Ele estava atrasando, postergando. Ele estava bem, éramos nós que estávamos sofrendo. E tínhamos famílias. Sofremos muito.

A fábrica de empanada e pascualina [pastel tradicional de acelga ou espinafre], onde ele trabalhava há mais de duas décadas, estava indo à falência. Para Aldo, e para seus quase cem companheiros, a demissão significava desemprego, perda dos benefícios de tempo de serviço e, para os mais idosos, a impossibilidade de aposentadoria. Significou também uma derrota mais ampla: além da perda de empregos, haveria a perda da experiência acumulada, do know-how que os trabalhadores tinham adquirido ao longo dos anos e do papel que a fábrica desempenhava no bairro. Eles perderam, suas famílias, seus vizinhos, todos perderam. “Até que decidimos assumir a empresa. Foi difícil. Mas não havia outra maneira”.

Em 27 de outubro de 2015, os funcionários dessa fábrica no bairro de Chacarita, em Buenos Aires, reunidos em uma assembleia, tomaram uma decisão: ocupar as instalações e interromper as atividades após meses de pagamentos atrasados. Até então, a empresa estava em processo de insolvência. O proprietário havia passado 800 cheques sem fundos, e a dívida acumulada era dez vezes maior que o patrimônio da empresa – ele devia dinheiro para todo mundo. E quando soube que os funcionários tinham tomado posse, pôs um fim às suas promessas vazias e enviou telegramas a 29 deles para que soubessem que haviam sido demitidos. Mas sua corporação estava desaparecendo e, na realidade, nem pertencia mais a ele. Diante do abandono e da incapacidade dos patrões, seus funcionários começaram a transformá-la em uma empresa recuperada.

Ocupar

“Há três pontos que são comuns à maioria das empresas recuperadas: a ocupação, a resistência ou a organização dessa ocupação, o que significa abrir as portas da fábrica para a comunidade, receber a solidariedade de outras experiências, repensar, buscar financiamento, arrecadar fundos para poder sustentar essa ocupação, essa resistência”. E depois há um terceiro momento, que é a produção. E essa decisão pode levar mais tempo ou menos tempo, pode ser mais traumática ou menos traumática. Neste caso, foi muito rápido”, explica Fabián Pierucci, presidente da Cooperativa dos Trabalhadores de La Litoraleña, que atualmente emprega 48 pessoas.

Ele não fazia parte da empresa antes de ela ser ocupada, mas se juntou a ela quando a formação da cooperativa já estava em andamento. Ele chegou como representante da Federación Argentina de Cooperativas de Trabajadores Autogestionados (FACTA), que surgiu em 2006 a partir dos diferentes grupos de empresas recuperadas que proliferaram no início da década. Seu objetivo em La Litoraleña era colaborar em tarefas de treinamento, transferência de tecnologia e gestão. E também outra coisa: com o Grupo Alavío, ele estava filmando uma série chamada “Redes de Trabajo y la Autogestión” (Redes de Trabalho e Autogestão). Ele filmou todo o processo da ocupação de La Litoraleña e o que veio depois. E desde então nunca mais saiu.

A situação no início era crítica. A palavra “cooperativa” disparou sinais de alarme. Os fornecedores não queriam vender. Os clientes não queriam comprar. O sindicato dos confeiteiros havia dito que se juntaria a eles na luta, mas quando formaram a cooperativa, eles também se foram. Sem um novo chefe ao leme, perderam a renda mensal. O pessoal administrativo, gerentes, supervisores, vendedores, a maioria dos motoristas, todos aqueles que estavam mais próximos dos patrões, seguiram o mesmo caminho. Dos 115 funcionários originais, restaram apenas 70, os operários do chão da fábrica. Toda a hierarquia havia desaparecido, e com ela, tudo o que eles sabiam fazer. Aqueles que permaneceram na ocupação tinham apenas experiência de fabricação, nenhuma experiência em gestão.

A estrutura que lhes permitia resistir tinha que ser mais sólida. Havia os vizinhos que os ajudaram e os apoiaram desde o início. Havia outras cooperativas em situação semelhante, que os apoiaram durante toda a ocupação trazendo alimentos. E havia as organizações sociais que colaboraram nos momentos de mobilização para enfrentar as ameaças de despejo, com a presença da polícia todos os dias.

“Começamos a pensar na lógica inversa”, conta Pierucci, “para ver o que entrava, quantos sacos de farinha, que produção havia por dia, que coisas constituíam o custo. É como montar um quebra-cabeças”.

Uma pessoa estava encarregada de receber a farinha, então ela sabia quantas sacolas geralmente chegavam. Outra estava encarregada de ser o operador, então ela sabia quantas porções de tapas e empanadas eram feitas por dia. Os operários da fábrica tiveram que aprender rapidamente a assumir outras responsabilidades, a negociar, a regatear preços e a se encarregar da administração diária da empresa para manter seus empregos.

“Tivemos apenas uma semana sem produção. Havia alguns produtos na câmara no dia do fechamento, e com um prazo de validade curto. Trinta e poucos dias, senão iriam estragar. Não íamos jogá-los fora, então começamos a vendê-los. Começamos a recuperar clientes, explicando a situação a eles…”. Após apenas alguns dias, em 6 de novembro, no meio da ocupação, a produção recomeçou.

Como próximo passo, pediram ao tribunal que acelerasse o processo de falência e criaram a cooperativa, que foi formada oficialmente em janeiro de 2016. Mas, quando chegou o momento de decretar a falência, o mesmo tribunal que se mostrou verbalmente favorável ao plano, ao se deparar com o plano de negócios proposto pelos trabalhadores, negou-lhes a licença de operação, argumentando que a ocupação era ilegal. Assim começou um longo processo judicial que continua até os dias atuais.

“A (última) decisão contra nós veio no meio da pandemia, no final de 2020, e nós tivemos que sair da fábrica, novamente. E, novamente, apelamos. Acho que vamos vencer o apelo novamente, mas é como uma história que nunca tem fim. Já estamos aqui há seis anos. Hoje estamos aqui legalmente, a fábrica está autorizada como sendo uma cooperativa. A ocupação é, digamos, um símbolo. Mas apelamos de uma ação de despejo, por isso estamos muito instáveis”.

Resistir

A luta contra o fechamento de empresas e pela recuperação de fábricas e outras unidades produtivas tende a estar associada à crise que começou em 2001. Entretanto, de maneira menos visível, o processo começou pelo menos uma década antes, em meio ao processo de desindustrialização, e cresceu durante a década neoliberal, chegando a cem empresas na época do colapso social. Segundo estudos realizados pelo programa Faculdade Aberta da Universidade de Buenos Aires (UBA), existem hoje mais de 400 empresas recuperadas na Argentina, com cerca de 15.000 trabalhadores. A realidade é que hoje, 20 anos depois, há mais empresas recuperadas do que nunca.

Segundo Andrés Ruggeri, antropólogo social e coordenador deste programa na Faculdade de Filosofia e Letras da UBA desde 2002, isto indica que, para trabalhadores em situação de falência, a ferramenta de recuperação “tem muita influência e continua a ser usada”. Existem ainda empresas recuperadas agora, sendo que mais de 50 das 400 empresas recuperadas são dos últimos dois ou três anos. E o que isto indica é que quando uma fábrica ou uma empresa fecha, não significa que irá se tornar necessariamente uma empresa recuperada, mas a opção de recuperá-la está presente, está na discussão”.

Vários fatores contribuem para isso. Experiências passadas fortaleceram as redes de apoio social que hoje oferecem novos recursos empresariais recuperados, aconselhamento, advogados para o processo jurídico e experiência com o que vai ou pode acontecer em seguida. “Com a ajuda dessas redes de contato, cada nova experiência evita ter que começar tudo do zero, ter que descobrir o processo como se ele nunca tivesse existido”.

Ao mesmo tempo, a relação entre este setor e o Estado é inevitável. Não é a mesma coisa enfrentar um governo que não intervém, como é enfrentar um governo que se opõe ou apoia. Hoje a situação é menos conflituosa do que em outros momentos, como durante a administração de Mauricio Macri. Foi lançado o Instituto Nacional de Associativismo e Economia Social (INAES), e há figuras históricas das empresas recuperadas que ocupam cargos em instituições que facilitam o acesso ao financiamento.

“Mas as questões fundamentais, que são mudanças na legislação e mudanças estruturais na forma como o Estado trata as empresas recuperadas, não mudaram. Ainda há precariedade, e as questões em torno da seguridade social e dos direitos trabalhistas permanecem intocadas”. Depois há o fato de haver um trabalhador que é diferente do trabalhador assalariado típico em uma relação de emprego, no sentido de que ele não é empresário nem trabalhador autônomo. O negócio recuperado é uma entidade diferente, um tipo de organização diferente. Esse tipo de trabalhador, que é coletivo, ainda não é reconhecido”.

Em 2011, a reforma da Lei de Falências deu prioridade aos trabalhadores, no papel, para recuperar uma empresa em processo de falência caso fossem constituídos como uma cooperativa. Mas a implementação na prática está longe da teoria. Na maioria dos casos, a formação da cooperativa é apenas o primeiro passo para um labirinto judicial. Os tribunais muitas vezes decidem contra os trabalhadores, forçando-os a recorrer repetidamente a viver sob constante ameaça de despejo, e concedendo, no máximo temporariamente, prorrogações.

Algumas vezes, como no caso de La Litoraleña, os antigos proprietários deixavam enormes dívidas que os trabalhadores deveriam assumir e resolver por conta própria. No caso deles, eles puderam comprar a falência com os créditos que sobraram dos salários atrasados e das indenizações. Mas no processo, eles tiveram até que enfrentar uma tentativa de leiloar a propriedade onde ficavam as instalações, arbitrariamente imposta por um tribunal. A legislação atual ainda tem brechas suficientes para ser aberta à interpretação por um judiciário que opera sob uma lógica de classe e com a visão dos patrões. Se os planos propostos pelos trabalhadores são ou não aceitos, é algo que depende exclusivamente dos juízes.

Essa combinação de fatores cria uma situação paradoxal para as empresas recuperadas. Por um lado, o diálogo com o Estado levou ao fato de que o Ministério do Desenvolvimento Produtivo estaria prestes a implementar o programa de financiamento da REDECO, o primeiro a ser realizado com o objetivo específico de apoiar as empresas recuperadas formadas como cooperativas. Seriam investidos até 1,2 bilhões de pesos em projetos para a compra de maquinários e outras operações. Mas, devido à falta de compromisso e reconhecimento do próprio modelo autogerido, não seria impossível, uma vez recebida uma certa contribuição, que os tribunais emitissem uma ordem de despejo no dia seguinte.

Essa falta de reconhecimento institucional coloca as empresas recuperadas em uma zona cinzenta da economia. Elas são obrigadas a pagar impostos, mas não podem ter acesso ao crédito. Elas não precisam pagar impostos, mas têm que fazer um seguro contra acidentes. Elas devem pagar contribuições à seguridade social, mas a pensão que recebem é mínima. No caminho para o reconhecimento jurídico, elas têm que cumprir todos os tipos de requisitos administrativos – obtenção de licenças operacionais e municipais, alvará da fábrica, contratação de seguro, mas tendem a ser em grande parte invisíveis para as autoridades até que ocorra uma crise.

Essa situação piorou durante a pandemia e o isolamento social preventivo obrigatório, o que levou até mesmo ao fechamento de exemplos icônicos no mundo dos negócios recuperados, como aconteceu com o Hotel BAUEN. Durante a pandemia, o Estado implementou duas ferramentas para manter os empregos. A Assistência ao Trabalho e Produção (ATP), que financiou metade dos salários dos trabalhadores em empresas geridas pelo empregador, e a Renda Familiar Emergencial (IFE), destinada a trabalhadores sem carteira assinada, trabalhadores autônomos e membros da economia popular. Mas os trabalhadores de cooperativas de trabalho autogeridas não se enquadravam em nem uma e nem em outra. Alguns deles conseguiram se enquadrar na categoria de setores essenciais para manter suas atividades. O resto, enquanto aguardavam a chegada de emendas emergenciais, não podiam se beneficiar de nenhuma das duas políticas.

“E por que eles foram deixados de lado? Porque ninguém os enxergavam. (…) Foi muito sintomático o quanto a autogestão é invisível em certos setores do poder, mesmo levando em conta os ‘bem-intencionados’. No máximo, eles os viam como um problema. Bem, o que fazemos com essas pessoas? Poderiam se fazer essa pergunta. O que eles não enxergavam é que: ‘Esta era uma alternativa’. Esta é uma forma econômica diferente e é do nosso interesse que ela seja promovida. Não havia como isso acontecer”.

A causa parece estar na falta de vontade política. Mas mesmo a vontade política precisa de uma força social para impulsioná-la. As grandes mobilizações no início dos anos 2000 em apoio às empresas recuperadas e o que elas representavam naquela época, que às vezes até conseguiram que leis de desapropriação fossem aprovadas, hoje parecem ter sido deixadas para trás. “(Em 2001) elas faziam parte de um grande processo de mobilização social, de questionamento do sistema político e econômico, e as empresas recuperadas serviam como uma caixa de ressonância para muitas coisas, muito mais do que representavam em números econômicos, no número de pessoas envolvidas. Mas agora estão reduzidas àquilo que são. Elas não são fortes o suficiente para, por exemplo, levar à votação no Congresso Nacional de uma lei sobre o trabalho autogerido. Tornou-se um movimento que, mesmo sendo maior do que antes, é mais fraco simbólico e politicamente, porque agora tem menos capacidade de ter um impacto sobre as políticas públicas”.

Produzir

Vinte anos atrás, o fenômeno das empresas recuperadas passou a ser visto amplamente como a ponta de lança de um projeto que aspirava mudar a sociedade estruturalmente, tornando-se um mito das lutas anticapitalistas dentro e fora das fronteiras da nação. Para aqueles no poder, mesmo aqueles com uma visão mais ou menos benigna, elas foram interpretadas, no máximo, como uma fórmula emergencial de contenção para setores vulneráveis. Entretanto, após passadas duas décadas, continuam considerando a autogestão como uma ilha à margem da sociedade em que a circulação presta um desserviço às possibilidades reais de desenvolvimento desse modelo alternativo e de seus trabalhadores.

O que sustenta e permite a manutenção de uma empresa autogerida continua sendo sua capacidade de salvaguardar empregos, de produzir e, assim, garantir renda para seus trabalhadores. Uma pequena empresa pode ser capaz de se manter em um mercado paralelo de solidariedade, mas não há como uma fábrica de metais garantir dezenas ou centenas de salários decentes dando as costas para o mundo, e muito menos enfrentar crises sistêmicas. Uma avaliação crítica dessas experiências é necessária se quisermos montar um projeto de baixo para cima que possa disputar o modelo econômico, a gestão da mão-de-obra e a distribuição da riqueza.

Não resta dúvida de que os exemplos de autogestão são forçados a remar contra uma forte corrente. Mas hoje em dia, a instabilidade parece ser o pão de cada dia dos trabalhadores em qualquer ramo. Vária empresas recuperadas sobreviveram até agora às mudanças no governo, aumentos inflacionários, aumentos de tarifas e até mesmo a uma pandemia. E o fizeram sob a direção de seus próprios trabalhadores, ignorando intermediários, mantendo uma operação interna que é diferente da lógica capitalista, apostando em um modelo mais democrático e horizontal, e proporcionando ajuda e recursos uns aos outros. Tudo isso, navegando em meio a um mercado agressivo e muito pouco solidário.

Para Andrés Ruggeri, as vantagens concretas das empresas recuperadas permanecem, e certamente explicam porque este modelo continua crescendo: “Muitas delas conseguiram reconstruir esses empregos e sua atividade econômica, e o mais importante não é que o tenham conseguido, mas como o fizeram. A questão da autogestão, em muitos casos, é mais qualitativa do que quantitativa. É um trabalho com menos exploração. Implica também em obter melhores condições de trabalho, mais liberdade, mais solidariedade, embora possa parecer uma palavra repetida até demais, mas é real e, nesse sentido, qualitativamente, permite outras respostas. Uma empresa autogerida pode se permitir pensar em coisas que uma empresa capitalista não está interessada, coisas que têm a ver não só com o bem-estar de seus trabalhadores, mas também com o bem-estar social em geral. Por exemplo, levar em conta que um determinado produto não é bom para o meio-ambiente e procurar uma solução. A empresa capitalista vai gerar os números e dizer: ‘Se um produto mais ecológico nos dá mais lucro, então vamos por esse caminho”. Mas se perdermos dinheiro, não estaremos interessados, deixaremos que afunde’”.

Estamos testemunhando uma investida de novas formas de exploração sob o disfarce de novas tecnologias, ou camufladas sob o slogan “empreendedorismo pessoal”, que só incentiva a desintegração, o individualismo e a competitividade entre os trabalhadores em um contexto de crescente precariedade. Entretanto, as empresas recuperadas abrem as portas para reatar os laços entre os trabalhadores em um momento em que parece que haviam se perdido.

Na Cooperativa de Trabajo La Litoraleña, a assembleia foi estabelecida desde o início como o órgão decisório. Eles têm um conselho administrativo determinado pela Lei de Cooperativas, que, neste caso, corresponde à gestão operacional da fábrica. Suas reuniões respondem a um órgão de planejamento ampliado: participam os chefes de cada um dos setores do organograma, e qualquer operário da fábrica pode participar. Todos os cargos são rotativos, desde os membros da diretoria até os gerentes de cada setor. Do primeiro ao último membro da fábrica, todos recebem o mesmo salário, independentemente de suas responsabilidades; outra decisão que veio daquela primeira assembleia que levou à ocupação e ao caminho da autogestão.

“Aqui não há superávit”, enfatiza Fabian Pierucci, que logo completará seus três anos como presidente da cooperativa, dando lugar a um novo conselho. “Como todos nós temos a mesma renda, não há como haver superávit nesta fábrica”.

Paralelamente, a cooperativa mantém uma política de “portas abertas”. Ela tenta manter uma estreita relação com o bairro, realizando trabalhos comunitários, apoiando outras cooperativas em resistência e recebendo regularmente escolas para compartilhar suas experiências com as crianças. Em menor ou maior grau, todas as empresas recuperadas tentam oferecer algo em troca à comunidade que as apoiou e alimentar a rede que lhes permitiu construir seu projeto.

“Estas experiências não devem ser idealizadas. Tampouco devemos subestimá-las. Mas você tem que estar lá todos os dias”, acrescenta ele.

O trabalho continua atrás das paredes da fábrica de tapas e empanadas em Chacarita. Vestidos com suas redes de cabelo e uniformes brancos, os operários da fábrica preparam a mistura de farinha e margarina, acrescentam as camadas de massa folhada, enrolam-na, reduzem a espessura e as cortam. A matéria-prima passa por seu ciclo através das máquinas, sendo transportada de uma esteira para outra pelos trabalhadores antes de ser embrulhada, até que o produto seja embalado, levado pela empilhadeira para a câmara fria, onde aguarda o momento para a distribuição.

“É um trabalho árduo em alguns aspectos, mas lá fora as coisas também não são fáceis. O que acontece é que a intensidade do trabalho é consensual. Você viu o filme Tempos Modernos, de Chaplin? Toda vez que o homem forte empurra a alavanca, a linha de montagem vai mais rápido, e Chaplin vai a loucura. Ele não consegue completar sua tarefa. Isso não existe aqui. Não existe mesmo. Temos nossa cafeteria, nos encontramos, nos revezamos, temos tempo livre. Ninguém vai incomodar ninguém. E isso é ótimo”.

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